RESUMO
INTRODUÇÃO
A princípio, os conceitos de distúrbios eram intuitivos, restritos e baseados apenas na estrutura da comunidade, até que a produção de uma teoria geral deste fenômeno ecológico descortinou sua verdade. Hoje podemos traduzir os distúrbios como um conjunto de eventos que rompem a organização, os ciclos biológicos e níveis ecológicos de uma comunidade (Pickett et al,1989 e Battisti et al, 2016).
Alguns autores concordam em
afirmar que o distúrbio é um evento biológico, químico ou físico com graus de
frequência diferentes, que causam um problema ou alteração a uma ou mais
espécies e cria direta ou indiretamente uma oportunidade para outra espécie
(White, 1979; Pickett and White, 1985 e Sousa, 1984).
Dependendo da faixa de
preocupação da pesquisa, o autor interpreta a ação na formação do “patch
dynamic” de acordo com o que os seus dados apontam, como em Petraitis et al. (1979):
A
disturbance is any ecological and bio-geographical process that alters the
rates of birth, mortality, and survival of a population present in an
environmental patch through the direct elimination of individuals or affecting
resources, rates of predation and competition.
Figura A
Conforme Reice (1994) esta definição está restrita a uma
condição biótica não traduzindo outras possibilidades tais como uma condição
física como um incêndio, inundação, pois o primeiro impacto da perturbação é a
remoção de organismos. Esse mesmo autor considera o equilíbrio ambiental como
incomum e sugere que o estado normal das comunidades e ecossistemas seja a
resposta ao último distúrbio.
Wilkinson (2002) cita comentários de Lyell e Darwin onde perturbações
em comunidades são reconhecidas. Em um dos mais antigos trabalhos em ecologia
(Clements, 1916) já era encontrada a citação sobre a dinâmica existente nos
ambientes sob a ação de distúrbios:
Even the most stable association is never in
complete equilibrium, nor is it free from disturbed areas in which secondary
succession is evident.
Os
efeitos dos distúrbios na estrutura, dominância e diversidade e outras
características são de primeira ordem na existência de comunidades, afetando a
heterogeneidade temporal e espacial de ecossistemas e a abundância de
determinadas espécies (Denslow, 1985).
Muitos distúrbios são naturais e outros de causas
antrópicas e seus resultados estão sujeitos a circunstâncias ora semelhantes
ora diferentes (Sousa, 1985). Nesta análise o distúrbio estudado foi devido a
abertura de espaços na comunidade propiciando a entrada de espécies diferentes
ou não ao novo ambiente.
O pisoteio já foi mencionado em vários trabalhos como fonte
de distúrbio em regiões intertidais (Ferreiro & Rosso,2009; Beauchamp and
Gowing,1982; Brosnan and Crumrine,1994; Brown and Taylor,1999; Keough and
Quinn,1998; Liddle,1975; Pinn and Rodgers, 2005; Povey and Keough, 1991; Schiel
and Taylor, 1999).
O presente trabalho trata de um exercício a partir de uma
amostra de um local onde ocorre um distúrbio ambiental de origem antrópica, o pisoteio
(Figura A) onde se discute a possível formação de um “patch dynamic” em
uma comunidade bentônica na Baia de Guanabara.
MATERIAIS
E MÉTODOS
A.
Local
Trata-se de um costão protegido dentro da Baia de Guanabara orientado
para o norte, formado por um amontoado de grandes rochas que formam matacões em
todas as faixas litorais do local. Esta faixa percorre toda a extensão desde a
entrada do bairro (Quadrado da Urca) até a Praia da Urca, apresentando este
aspecto até a entrada do Forte de São João (Figura B). Segundo Silva et
al (2016) por estar situada na Enseada de Botafogo, trata-se de uma das praia
mais antropizada da cidade.
Figura B
B.
Amostragem
Coletou-se 28 amostras com quadrados de 20cmX20cm,
acondicionados em sacos plásticos e conservados com formol a 4% transportados até
o laboratório onde as espécies identificadas a olho nu foram anotadas. Espécies
menores, mas com populações identificadas desta maneira, foram também
assinaladas. Os exemplares foram transformados em exsicatas e depositadas no
herbário do autor. Múltiplas amostras ocorreram no mesmo matacão.
C.
Tratamento estatístico e análise da ordenação
A amostragem foi analisada apresentando normalidade e
homogeneidade. Para análise multivariada e de grupamento tanto para ordenação
das espécies quanto para os quadrados utilizou-se os seguintes parâmetros:
·
Índice de similaridade: Bray Curtis não
padronizado
·
Transformação: Presença/Ausência
·
Modo do Cluster: Group average não ranqueado.
Utilizou-se o pacote estatístico Primer 5.0 (versão 5.2.4).
Embora as técnicas de análise multivariadas sejam usadas a
princípio para aplicação e exame de grandes conjuntos de informações
necessários para o estudo de tendências (Alencar et al, 2013), também podem ser
usadas em pequenas amostras e tornam-se importantes para a descoberta de
ordenações não muito fáceis de serem observadas.
RESULTADOS
1.
Composição específica
Foram computadas 15 espécies de
algas bentônicas nos matacões amostrados, sendo 6 Chlorophyceae: Cladophora
sp1, Ulva fasciata Delile, Chaetomorpha sp, Cladophora sp2,
Codium decorticatum (Woodward) Howe e Ulva flexuosa Wulfen e 9
Rhodophyceae: Centroceras clavulatum (C.Agardh) Montagne, Chondracanthus
teedii (Roth) Kutz., Lomentaria rawitcheri Joly, Gymnogongrus griffthisiae
(Turner) Martius, Chondracanthus acicularis (Roth) Fredericq, Gelidium pusillum
(Stackhouse) Le Jolis, Neosiphonia sp e Stylonema alsidium (Zanardini) Drew. A grande maioria reconhecidamente espécies oportunistas.
O censo destes organismos consta na Tabela 1.
TABELA 1
As espécies comuns em todas as
amostras são aquelas que apresentam maior frequência nos três mosaicos: Centroceras clavulatum, Chondracanthus
teedii, Cladophora sp1, Ulva fasciata e Gelidium pusillum. Espécies fiéis a
determinado mosaico se apresentaram de forma rara como os casos de Chaetomorpha
sp (Mosaico 1), Gymnogongrus griffthisiae e Ulva flexuosa (Mosaico
2) e Codium decorticatum (Mosaico 3). Neosiphonia sp ocorreu nos
mosaicos 3 e 2 enquanto Lomentaria rawithcheri e Chondracanthus
acicularis ocorreram nos mosaicos 1 e 2, conforme Figura C e
confirmados os dados no nMDS na Figura D.
Figura C
Figura D
2. Ordenação multivariada
Observa-se
na Figura E os cluster formados a partir da ordenação das amostras e
percebemos a formação dos três grupos nomeados Mosaico 1, 2 e 3. Os valores na Figura
F demonstram a ordenação nMDS das mostras do exercício.
FIGURA E
FIGURA F
3. Diversidade
AMOSTRAS |
H’ |
Mosaico 1 |
0,79 |
Mosaico 2 |
0,88 |
Mosaico 3 |
0,74 |
Todas |
0,99 |
FIGURA G
Na Figura G são apresentados os índices de Shannon
de cada mosaico e o total encontrados nas amostras.
DISCUSSÃO
E CONCLUSÃO
Embora a palavra distúrbio tenha
uma conotação inicial negativa, o seu uso em estudos ambientais tem outros
significados. Na realidade, os distúrbios constituem um conjunto importante de eventos
que age na estrutura e funcionamento de sistemas ambientais (Battisti et
al.2016).
A presente pesquisa foi efetuada
em um local já reconhecido como uma área sob grande efeito da poluição orgânica
por despejo de esgoto (Souza et al.2014 e Soares-Gomes et al.2016) o que já
constitui um distúrbio antrópico. A comunidade apresentou-se formada por algas
de reconhecido comportamento oportunista visto as condições ambientais de
poluição (Teixeira et al. 1987 e Taouil e Yoneshigue-Valentin, 2002), a
ausência de algas pardas também foi um indicador que o ambiente não tem boas
condições ambientais (Machado et al, 2016), assim como o sucesso das colonizadoras
Ulva e Cladophora já apontadas por Gestinari & Yoneshighe-Valentin (2018)
para diversas localidades da Baia de Guanabara.
As três comunidades reconhecidas
pelo tratamento multivariado apresentaram as mesmas espécies dominantes, tendo
uma ou outra espécie restrita a uma comunidade, variando na maior presença ou
ausência de determinada espécie em cada comunidade, o que propiciou valores
diferentes no índice de diversidade de Shannon onde se constata que a
comunidade denominada Mosaico 2 se apresenta como a etapa final de sucessão,
tendo a comunidade Mosaico 2 como intermediária e a comunidade Mosaico 1 como o
estágio inicial tendo os valores dos índices auxiliando nesta identificação. A
análise do índice de diversidade tomando toda a amostra no ambiente mostrou ser
maior do que qualquer um dos apresentados nos mosaicos separadamente. Este fato
demonstra que embora houvesse uma semelhança na composição específica das
comunidades classificadas, seu conjunto e estrutura mostra um aumento na
diversidade, ou seja, o distúrbio produz um mosaico que aumenta a diversidade
local.
A frequente e notória presença
de catadores de mexilhão na área tornou-se o indício marcante para tornar-se no
distúrbio antrópico causador da ocorrência.
Obviamente, este exercício
apenas apresentou uma possibilidade e mostrou que pequenas práticas como essa
podem ser utilizadas de forma didática no uso educacional e como ferramenta
para uma futura e estruturada pesquisa no ambiente.
REFERÊNCIAS
Alencar,
B.J.; Barroso, L.C. e Abreu, J.F. 2013. Análise multivariada de dados no
tratamento da informação espacial: Uma abordagem com a análise de grupamentos. Sist. Cibern. Inform. 10:6-12.
Battisti, C. Poeta, G. Fanelli, G.
2016. An introduction to disturbance ecology. Springer.
Beauchamp, KA. and Gowing, MM.,
1982. A quantitative assessment of human trampling effects on a rocky
intertidal community. Marine Environmental Research, 7:279‑293.
Brosnan, DB. and Crumrine, LL.,
1994. Effects of human trampling on marine rocky shore communities. Journal of
Experimental Marine Biology and Ecology, 177: 79‑97.
Brown, PJ. and Taylor, RB., 1999.
Effects of trampling by humans on animals inhabiting coralline algal turf in
the rocky intertidal. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 235:45-53.
Clements, F.E. 1916. Plant
succession: An analysis of the development of vegetation. Carnegie Inst.
Washington Publ. no.242.
Denslow, J.S. 1985.
Disturbance-mediated coexistence of species. In Pickett & White. The
ecology of natural disturbance and patch dynamics. 307-321 pag. Academic Press.
Ferreira, M.N. and Rosso, S. 2009. Effects
of human trampling on a rocky shore fauna on the Sao Paulo coast, southeastern
Brazil. Braz. J. Biol. 69:993-999.
Gestinari,
L.M.S.& Yoneshigue-Valentin, Y. 2018. Alterações decadais nas comunidades
macroalgáceas. In Valentin,
J.L. Paiva, P.C. e Salomon, P.S. (org.) A Baía de Guanabara: Passado,
presente e future de um ecossistema ameaçado. CRV.
Keough, MJ. and Quinn, GP., 1998.
Effects of periodic disturbances from trampling on rocky intertidal algal beds.
Ecological Applications, 8:141-161.
Liddle, MJ., 1975. A selective
review of the ecological effects of human trampling on natural ecosystems. Biological
Conservation, 7:17-36.
Machado,
G. E. M., Silva, V.L.T.C., Bispo, G.M., and Miranda, R.G.B. 2016. Comunidade
Macrobentônica de Costões Rochosos de duas Praias do Município de Niterói-RJ.
Semioses Inovação Desenvolvimento e Sustentabilidade. 10:40-50.
Petraits,
P.S. Latham, R.E. Niesenbaum, R.A. 1989. The maintenance of species diversity by disturbance. Quart.Rev.Biol.64:393-418.
Pickett, S.T.A. Kolasa, J. Armesto,
J.J. Collins, S.L. 1989. The ecological concept of disturbance and its
expression at various hierarchical levels. Oikos. 54: 129-136.
Pickett, S.T.A. and White, P.S.
1985. The ecology of natural disturbance and patch dynamics. Academic Press.
Pinn, EH. and Rodgers, M., 2005. The
influence of visitors on intertidal biodiversity. Journal of the Marine
Biological Association of the United Kingdom, 85:263-268.
Povey, A. and Keough, MJ., 1991. Effects
of trampling on plant and animal populations on rocky shores. Oikos, 61:355-368.
Reice, S.R. Nonequilibrium
Determinants of Biological Community Structure. American Scientist. 82:424-435.
Schiel, DR. and Taylor, DI. 1999.
Effects of trampling on a rocky intertidal algal assemblage in southern New
Zealand. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 235: 213-235.
Silva, M.A.M., Silva, A.L.C. Santos,
C.L., Silvestre, C.P., Marinho, R.V., Cunha, A.B.C., Gralato, J.C.A. and Souza,
R.D. 2016. Praias da Baía de Guanabara no Estado do Rio de Janeiro. Revista
Brasileira de Geomorfologia 17:205-225.
Soares-Gomes,
A; da Gama, B.A.P; Baptista Neto, J.A. D.G. Freire, R.C. Cordeiro, R.C; Machado,
W; Bernardes, M.C; Coutinho, R; Thompson, F. e Pereira, R.C. 2016. An environmental overview of
Guanabara Bay, Rio de Janeiro. Regional Studies in Marine Science. 8: 319-330.
Sousa, W.P. 1984. The role of
disturbance in natural communities. Ann. Rev. Ecol. Syst. 15:353-391.
Sousa, W.P. 1985. Disturbance and
patch dynamics on rocky intertidal shores. In Pickett & White. The ecology
of natural disturbance and patch dynamics. 101-124 pag. Academic Press.
Souza,
L.G.R; Miranda, A.C. e Medeiros, H.B. 2014. O lixo, o esgoto na Baía de
Guanabara e os programas de despoluição: A mídia versus os dados. X Fórum
Ambiental da Alta Paulista, 10:183-198.
Taouil,
A. and Yoneshigue-Valentin, Y. 2002. Alterações na composição florística das
algas da Praia de Boa Viagem (Niterói, RJ). Revista Brasileira de Botânica 25:405–412.
Teixeira,
V. L., Pereira, R.C. Marques, A.N. Leitão, C.M. and Silva, C.A.R. 1987. Seasonal variations in infralittoral
seaweed communities under a pollution gradient in Baía de Guanabara, Rio de
Janeiro (Brazil). Ciência & Cultura 39:423-428.
White, P.S. 1979. Pattern, process,
and natural disturbance in vegetation. Bot.Rev.45:229-299.
Wilkinson, D.M. 2002. Ecology before
ecology: biogeography and ecology in Lyell´s ´Principles`. Journal of
Biogeography 29:1109-1115.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe sua contribuição aqui