domingo, 19 de junho de 2011

Avrainvillea elliottii

            Depois de um longo verão e também um outono, estamos aqui novamente com uma espécie de uma rara beleza e de uma grande elegância em termos de alga marinha bentônica:
 
            Este exemplar já foi motivo de controvérsias aqui no Brasil e renomeado indevidamente pelo Professor Joly e pela Professora Noemy com o nome Avrainvillea atlântica em 1965 1. A figura abaixo foi utilizada na descrição da pretensa nova espécie e nos clássicos: Flora do Litoral Norte e no Gêneros de Algas da Costa Atlântica Latino-Americana 3.
                                                     
            A espécie em questão é pouco comum em nosso litoral, sendo citada principalmente para enseadas do sudeste brasileiro 2, 3, 4, 5, 6,7 e para zonas recifais dominadas por gramas marinhas 8.
            Na literatura mundial encontramos referências para espécies deste gênero restritas a zonas tropicais e subtropicais 9 e 10, ocorrendo principalmente em planícies arenosas, manguezais lodosos e substrato consolidado de corais 11.
            Além das costas brasileiras, A. elliottii é conhecida em regiões do Caribe 12, 13, 14, 15 e 16, e Ilhas Seychelles 17.
            Esta espécie foi descrita pelo casal Gepp: Antony Gepp (1862-1955) e Ethel Gepp (1864-1922) no monumental trabalho da Expedição Siboga 18. Ele era assistente no Museu Britânico de História Natural e ela uma voluntária do mesmo museu (muita coincidência, pois a espécie tratada inicialmente também tinha um casal envolvido, o casal Feldmann). Antony não escreveu muito, porém participou na formação de diversos catálogos e notas de expedições publicadas pelo Museu Britânico; principalmente sobre fósseis vegetais, musgos, fungos, algas marinhas e pteridófitas 19. (Procurei suas fotos na Internet, mas não as encontrei).
            São plantas flabelares, de cor verde oliva, apresentando manchas concêntricas da base do flabelo até a superfície distal, medindo cerca de 2-8 cm de largura e 2-10 cm de altura, fixas ao substrato arenoso por um estipe resistente, que penetra cerca de 7 cm no sedimento. Seu talo é de consistência de feltro formado por um emaranhado de filamentos cenocíticos dicotômicos, às vezes apresentando pequenas constrições. Observa-se o brotamento desta espécie com muita reqüência (veja nas fotos abaixo).
                
 
A primeira impressão que se tem quando se observa uma população desta alga é sempre de espanto, pois não se espera encontrar algas em um substrato como esse. Ainda me lembro da cara do Renato Crespo quando encontramos essa população, nessa mesma praia. Ficamos rindo à toa, pela imagem rara e pela sorte de encontrar uma espécie pouco comum. Naquela época (+ 30 anos atrás) estávamos muito motivados para trabalhar com populações e comunidades, mas ainda não dominávamos técnicas com algas, porque não sabíamos onde elas começavam e onde terminavam – começamos com Codium decorticatum, pois como a Avrainvillea reconhecíamos um talo independente.

          Foto de uma população de A. elliotti na Praia da Figueira, Angra dos Reis (RJ)
                       
         O primeiro relato do comportamento da população de Avrainvillea elliottii foi dado pelo Prof. Gilberto Mitchell, Giovane Bloise(*) (cadê eles?) e Valéria Teixeira em uma Reunião da SBPC 20 em  1981, a partir disto nada foi realizado nesta espécie aqui no Brasil. Só recentemente a espécie foi alvo de novas pesquisas, como o trabalho do Daniel 2, do Pessoal da Biologia Marinha da UFF 21e22 e minha dissertação de mestrado 23.
            Ao analisar a distribuição desta espécie na Praia da Figueira (foto abaixo) percebi que a população ocorre a partir de 1.85m de profundidade continuando até profundidades maiores, porém as maiores densidades ocorrem a cerca de 4 metros de profundidade (isto tudo a maré 0.0, veja o gráfico também)

Praia da Figueira - Angra dos Reis (RJ)
Sim, é um paraíso!

            Mas não é da minha dissertação que quero falar, e sim de outras facetas deste protoctista (que saudade quando elas ainda eram consideradas vegetais!). De acordo com o trabalho do Daniel2 (USU), Avrainvillea elliottii é uma espécie umbrófila, preferindo locais mais “sombreados“, ou seja, com incidência menor de raios solares, e como a Praia da Figueira (como as restantes praias de Angra dos Reis) apresentam uma coloração das águas que facilitam a preferência desta alga (veja nas imagens abaixo),  ela se desenvolve bem a 4 metros de profundidade.
                                
Detalhe da Praia da Figueira, onde se nota um aumento
da coloração das águas em direção ao mar.
            Outro aspecto interessante é quanto a sua reprodução. A reprodução deste gênero foi primeiro descrito para espécie Avrainvillea nigricans Decaisne por Howe (1907)24 o autor mencionou as estruturas como possíveis estruturas de reprodução, sem confirmação em laboratório; nas palavras do próprio Howe:


 Veja os desenhos abaixo:
 

Houve até uma tentativa de cultivo:

 Algo raro na ciência onde o pesquisador publica suas tentativas infrutíferas.
Na descrição do gênero no final do mesmo trabalho Howe completa:
A interrogação é dele mesmo.
Encontrei estruturas semelhantes nas Avrainvilleas por mim estudadas durante as amostras de primavera, no entanto, ficarei devendo essas imagens para vocês.
       Esta história não termina aqui, falarei ainda da ecologia e dos produtos naturais produzidos por essa belezinha. Até lá!!

1.     1.Joly, A.B., Cordeiro, M., Yamaguishi, N. & Ugadim, Y. 1965. New marine algae from southern Brazil. Rickia.2:159-181.
3.     3. Joly, A.B. 1967. Gêneros de algas marinhas da costa atlântica Latino-Americana. EDUSP.
5.     5. Figueiredo, M.A.O. 1989. Ficoflora marinha bentônica do município de Parati. Dissertação de Mestrado. UFRJ.
6.   6.Figueiredo, M.A.O. & Yoneshigue-Valentim, Y. 1997. Chlorophyta, Phaeophyta e Rhodophyta. In. Mapeamento da cobertura vegetal e listagem das espécies ocorrentes na área de proteção ambiental de Cairuçu, Parati.
7.      7.Muniz, J.A. 2009. Estrutura e variação temporal de uma comunidade epibionte em uma população de A. elliottii em regiões rasas de Angra dos Reis. Dissertação de Mestrado. USU.
8.     8. Paula, A.F. Figueiredo, M.A.O. & Creed, J.C. 2003. Structure of macroalgal community associated with the seagrass Halodule wrightii in the Abrolhos Marine National Park, Brazil. Botanica Marina. 46:413-424.
11.  11.Olsen-Stojkovich, 1985. A systematic study of the genus Avrainvillea. Botanica Marina, 41:1-70.
12.  12.Ballantine & Aporte, 1997. An annoted checklist of deep-reef benthic marine algae from Lee Stocking Island. Nova Hedwigia. 76:113-127.
13.  13.Borgesen, 1913. The marine algae of the Danish West Indies. Dansk Bot.Arkiv. 1:1-158.
16.  16.Schenetter, 1978. Marine algen der karibischen kusten von Kolumbien. Chorophyceae. Bibl.Phycol. 42:1-199.
17.  17.Svedelius, 1924. On the discontinuous geographic distribution of some tropical and subtropical marine alge. Arkiv Bot. 19:1-70.
18.  18.Gepp, A. & Gepp, E.S. 1911. The Codiaceae of the Siboga-Expedition including a monograpf of Flabellarieae and Udoteae. Siboga-Expedition. 62:1-150.
20.  20.Bloise, G.C. Teixeira,V.F. e Mitchell,G.J.P. 1981. Variação sazonal na população de Avrainvillea atlântica. Resumos da 33ª Reunião Anual da SBPC. Salvador (BA).
23.  23.Os resultados de minha tese estão na postagem anterior a esta (clique em Meus resultados).
24.  24.Howe, M.A. 1907. Phycological studies III. Further notes on Halimeda and Avranvillea. Bull.Torrey Bot.Club. 34:491-516.
(*) Creio que já existe uma trajetória histórica – uma saga ficológica neste país e já caberia um trabalho que resgatasse todo esse caminho percorrido, não?


sábado, 18 de junho de 2011

Resultados da minha dissertação


SAZONALIDADE DE UMA COMUNIDADE DE MACROALGAS EPÍFITAS EM UMA POPULAÇÃO DE AVRAINVILLEA ELLIOTTI
Muniz, J.A.; Albuquerque, E.F.

Universidade Santa Úrsula – RJ
Mestrado em Ciências do Mar

RESUMO
O epifitismo em macroalgas é um exemplo típico de facilitação em ambientes intermareais. Uma comunidade de macroalgas epífitas sobre uma população de Avrainvillea elliotti foi acompanhada em um período anual e os resultados deste censo mostraram dois aspectos sazonais na estrutura desta comunidade, apresentando uma estrutura no período Primavera-Verão, dominada pelas algas: Heterosiphonia gibbesi e Spermothamnion nonatoi e no período Outono-Inverno pelas algas: Acanthophora spicifera, Canistrocarpus cervicornis, Champia parvula e Hypnea cervicornis. Analisando a comunidade pelas estruturas formadas por grupos morfofuncionais, ficou também caracterizados sazonalmente os dois períodos já citados, sendo o período Primavera-Verão caracterizado pela presença de grupos de filamentosas e o período Outono-Inverno pela presença de corticadas e foliáceas. A análise de grupamento frente ao comportamento fenológico das espécies epífitas aponta para uma possível influência da planta hospedeira na estrutura desta comunidade. A composição e estrutura das comunidades a 2 e 4 metros de profundidades não se mostraram diferentes, mesmo separadas em 30 metros. Embora as espécies epífitas sejam comuns aos costões vizinhos, a estrutura das comunidades dos costões é totalmente diferente da comunidade epífita. O hábito umbrófilo de A. elliotti tem a ajuda das espécies epífitas no sombreamento da hospedeira e A. elliotti propicia estabelecimento para a comunidade epífita em um substrato inconsolidado.

Palavras Chave: Epifitismo, facilitação, Angra dos Reis.

INTRODUÇÃO
Dos conhecidos processos de sucessão (CONNEL & SLATYER, 1977), a facilitação é certamente um dos menos estudados (BRUNO et al. 2003). Desde a seleção natural de Darwin, dos modelos de competição interespecifica de Lotka e Volterra, do estabelecimento da idéia de nicho de Hutchinson e MacArthur e do estudo dos efeitos top-down de Paine, dos estudos sobre a proteção química dos organismos, a teoria ecológica se baseia, principalmente em conflitos e distúrbios na direção das interações entre os organismos e no estabelecimento e evolução das comunidades, devido ao pouco conhecimento e pesquisa, este processo pode estar sendo sub-avaliado na influência na estrutura das comunidades naturais (STACHOWIZ, 2001). Isto porque a facilitação ocorre entre organismos onde pelo menos um deles é beneficiado, e neste caso, o outro não sofre perdas. Estas interações provem ao ecossistema, condições mais favoráveis para o estabelecimento de outros seres de forma direta ou indireta, propiciando a co-evolução, o aumento da biodiversidade e da heterogeneidade espacial e ambiental. A. elliotti é uma alga de rara ocorrência na costa brasileira, sendo encontrada em profundidades que variam de 2-6 metros em baias e enseadas protegidas na região sudeste brasileira (PAULA et al., 2003 e MUNIZ, 2005). Este estudo teve a finalidade de estabelecer o comportamento da comunidade epífita de macroalgas em populações de A. elliotti em um substrato inconsolidado durante um ciclo anual.

MATERIAIS E MÉTODOS
35 amostras de talos de A. elliotti foram coletados nas profundidades de 2 e 4 metros na Praia da Figueira em Angra dos Reis(RJ), triadas e identificadas as espécies de macroalgas notadas inicialmente a olho nu, produzindo-se um censo pela presença-ausência a cada estação do ano e calculando-se a freqüência relativa de cada organismo. Para ordenação e análise dos dados utilizou-se o pacote PRIMER 5.0

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Um total de 25 organismos foi identificado durante o estudo desta comunidade. Ao produzir o dendrograma da Fig.1 podemos observar a homogeneidade da comunidade em questão referente às profundidades analisadas além do estabelecimento de duas floras sazonais, independentes das profundidades analisadas.

Figura 1.
Análise de grupamento de cada amostra sazonal nas profundidades de 2 e 4 metros.

Utilizando-se a ordenação nMDS (Fig.2) das espécies encontradas em todo o censo anual, percebe-se a formação de grupos de espécies característicos da sazonalidade apresentada pela comunidade, onde fica estabelecido uma flora epífita para o período Outono-Inverno e para o período Primavera-Verão.

Figura 2
Escalonamento multidimensional do total de amostras por espécies

Embora as espécies que fazem parte desta comunidade são também encontradas nos costões rochosos do local analisado (PEDRINI, 1980; AMADO FILHO et al, 2003; SZECHY et al, 2005), estes organismos (com exceção de Acanthophora spicifera) não são dominantes nos costões, produzindo, esta comunidade, nichos diferentes dos encontrados nos costões.
Utilizando-se da teoria dos grupos morfo-funcionais (LITTLER & LITTLER, 1980 e STENECK & DETHIER, 1994) classificou-se as espécies e produziu-se o grafo da Fig. 3 onde a sazonalidade da comunidade epífita mais uma vez fica declarada, sendo o grupo de algas filamentosas dominando no período Primavera-Verão enquanto os grupo foliácea e corticada dominando no período Outono-Inverno. Não ocorrendo organismos dos grupos crostosas, calcáreas-articuladas e coriáceas, típicos dos costões da região (FIGUEIREDO et al. 2004).
Ao se confrontar os dados da fenologia das espécies dominantes com o grupamento destas em cada período do ano, observa-se que plantas dominantes de outros períodos ocupam os mesmos talos de A. elliotti, indicando uma possível interação entre os talos hospedeiros e suas epífitas.
Figura 3
Classificação das floras epífitas por grupo morfo-funcional.

CONCLUSÕES
Embora na literatura encontramos diversos trabalhos sobre epifitismo contemplando seus aspectos negativos, principalmente em questões de cultivo algal (FLETCHER, 1995) a facilitação que ocorre no mutualismo entre A. elliotti e sua flora epífita fomenta o aumento da diversidade e o de nichos em uma região de substrato inconsolidado que reconhecidamente dificulta a manutenção de organismos com esta natureza, além do mais, o hospedeiro, devido ao seu hábito umbrófilo (ABRANTES, 2006) beneficia-se da presença desta comunidade que provem um útil sombreamento sobre seu talo.
Chama-se a atenção para a existência de interações e comunidades existentes em enseadas e baias da região sudeste ainda desconhecidas para ciência e em franco processo de aniquilamento como a contemplada neste trabalho.

REFERÊNCIAS
ABRANTES, D.S. 2006. Influência da irradiância na estrutura da população da macroalga A. elliotti na Baia de Jacuacanga. Dissertação Bacharelado. Universidade Santa Úrsula. 45 págs.
AMADO FILHO, G.M. BARRETO, M.B.B.B. MARINS, B.V. FELIX, C. REIS, R.P. 2003. Estrutura das comunidades fitobentônicas do infralitoral da Baia de Sepetiba. Revta. Brasil.Bot. 26:329-342.
BRUNO,J.F.;STACHOWICZ,J.J. & BERTNESS,M.D. 2003. Inclusion of facilitation into ecological theory. Trends in Ecol.Evol. 18:119-125.
CONNELL,J.H. & SLATYER,R.O. 1977. Mechanisms of succession in natural communities and their role in community stability and organization. Amer.Nat. 111:1119-1144.
FIGUEIREDO, M.A.O.; BARRETO, M.B.B.; REIS, R.P. 2004. Caracterização das macroalgas nas comunidades marinhas da área de proteção ambiental de Cairuçu – subsídios para futuros monitoramentos. Revta. Brasil. Bot. 27:11-17.
FLETCHER, R.L. 1995. Epiphytism and fouling in Gracilaria cultivation: an overview. J.Appl.Phycol. 7:325-333.
LITTLER, M.M. & LITTLER, D.S. 1980. The evolution of thallus form and survival strategies in benthic marine macroalgae: field ans laboratory tests of a functional form model. Amer.Nat. 116:25-44.
MUNIZ, J.A. 2005. Diversidade fomentada pelo epifitismo em Avrainvillea elliotti, uma alga em perigo de extinção. 1º Seminário Biologia Marinha. UFF-RJ.
PAULA, A.F. FIGUEIREDO, M.A.O. & CREED, J.C. 2003. Structure of macroalgal community associated with the seagrass Halodule wrightii in the Abrolhos Marine National Park. Bot.Mar. 46:413-424.
PEDRINI, A.G. 1980. Algas marinhas bentônicas da Baia de Sepetiba e arredores. Dissertação de Mestrado. UFRJ.
STACHOWICZ, J.J. 2001. Mutualism, facilitation, and the structure of ecological communities. Bioscience. 51:235-246.
STENECK, R. & DETHIER, M.N. 1994. A functional group approach to the structure of algal-dominated communities. Oikos. 19:1-70.
SZECHY, M.T.M.; AMADO FILHO, G.M.; CASSANO, V.; DE PAULA, J.C.; BARRETO, M.B.B. REIS, R.P., MARINS-ROSA, B.V. MOREIRA, F.M. 2005. Levantamento florístico das macroalgas da baia de Sepetiba e adjacências: ponto de partida para o Programa Globallast no Brasil. Acta. Bot. Brasil. 19:587-596.