domingo, 28 de agosto de 2022

POSSÍVEL INFLUÊNCIA DO PISOTEIO NA COMUNIDADE DE MACROALGAS DA PRAIA DA URCA, RIO DE JANEIRO (BRASIL) E A FORMAÇÃO DE “PATCH DYNAMICS” LOCAIS.

 

RESUMO

INTRODUÇÃO

                A princípio, os conceitos de distúrbios eram intuitivos, restritos e baseados apenas na estrutura da comunidade, até que a produção de uma teoria geral deste fenômeno ecológico descortinou sua verdade. Hoje podemos traduzir os distúrbios como um conjunto de eventos que rompem a organização, os ciclos biológicos e níveis ecológicos de uma comunidade (Pickett et al,1989 e Battisti et al, 2016).

                Alguns autores concordam em afirmar que o distúrbio é um evento biológico, químico ou físico com graus de frequência diferentes, que causam um problema ou alteração a uma ou mais espécies e cria direta ou indiretamente uma oportunidade para outra espécie (White, 1979; Pickett and White, 1985 e Sousa, 1984).

                Dependendo da faixa de preocupação da pesquisa, o autor interpreta a ação na formação do “patch dynamic” de acordo com o que os seus dados apontam, como em Petraitis et al. (1979):

A disturbance is any ecological and bio-geographical process that alters the rates of birth, mortality, and survival of a population present in an environmental patch through the direct elimination of individuals or affecting resources, rates of predation and competition.



Figura A

Conforme Reice (1994) esta definição está restrita a uma condição biótica não traduzindo outras possibilidades tais como uma condição física como um incêndio, inundação, pois o primeiro impacto da perturbação é a remoção de organismos. Esse mesmo autor considera o equilíbrio ambiental como incomum e sugere que o estado normal das comunidades e ecossistemas seja a resposta ao último distúrbio.

Wilkinson (2002) cita comentários de Lyell e Darwin onde perturbações em comunidades são reconhecidas. Em um dos mais antigos trabalhos em ecologia (Clements, 1916) já era encontrada a citação sobre a dinâmica existente nos ambientes sob a ação de distúrbios:

Even the most stable association is never in complete equilibrium, nor is it free from disturbed areas in which secondary succession is evident.

                Os efeitos dos distúrbios na estrutura, dominância e diversidade e outras características são de primeira ordem na existência de comunidades, afetando a heterogeneidade temporal e espacial de ecossistemas e a abundância de determinadas espécies (Denslow, 1985).

Muitos distúrbios são naturais e outros de causas antrópicas e seus resultados estão sujeitos a circunstâncias ora semelhantes ora diferentes (Sousa, 1985). Nesta análise o distúrbio estudado foi devido a abertura de espaços na comunidade propiciando a entrada de espécies diferentes ou não ao novo ambiente.

O pisoteio já foi mencionado em vários trabalhos como fonte de distúrbio em regiões intertidais (Ferreiro & Rosso,2009; Beauchamp and Gowing,1982; Brosnan and Crumrine,1994; Brown and Taylor,1999; Keough and Quinn,1998; Liddle,1975; Pinn and Rodgers, 2005; Povey and Keough, 1991; Schiel and Taylor, 1999).

O presente trabalho trata de um exercício a partir de uma amostra de um local onde ocorre um distúrbio ambiental de origem antrópica, o pisoteio (Figura A) onde se discute a possível formação de um “patch dynamic” em uma comunidade bentônica na Baia de Guanabara.

MATERIAIS E MÉTODOS

A.      Local

Trata-se de um costão protegido dentro da Baia de Guanabara orientado para o norte, formado por um amontoado de grandes rochas que formam matacões em todas as faixas litorais do local. Esta faixa percorre toda a extensão desde a entrada do bairro (Quadrado da Urca) até a Praia da Urca, apresentando este aspecto até a entrada do Forte de São João (Figura B). Segundo Silva et al (2016) por estar situada na Enseada de Botafogo, trata-se de uma das praia mais antropizada da cidade.

 

 



Figura B 

 

B.      Amostragem

Coletou-se 28 amostras com quadrados de 20cmX20cm, acondicionados em sacos plásticos e conservados com formol a 4% transportados até o laboratório onde as espécies identificadas a olho nu foram anotadas. Espécies menores, mas com populações identificadas desta maneira, foram também assinaladas. Os exemplares foram transformados em exsicatas e depositadas no herbário do autor. Múltiplas amostras ocorreram no mesmo matacão.

C.      Tratamento estatístico e análise da ordenação

A amostragem foi analisada apresentando normalidade e homogeneidade. Para análise multivariada e de grupamento tanto para ordenação das espécies quanto para os quadrados utilizou-se os seguintes parâmetros:

·         Índice de similaridade: Bray Curtis não padronizado

·         Transformação: Presença/Ausência

·         Modo do Cluster: Group average não ranqueado.

Utilizou-se o pacote estatístico Primer 5.0 (versão 5.2.4).

Embora as técnicas de análise multivariadas sejam usadas a princípio para aplicação e exame de grandes conjuntos de informações necessários para o estudo de tendências (Alencar et al, 2013), também podem ser usadas em pequenas amostras e tornam-se importantes para a descoberta de ordenações não muito fáceis de serem observadas.

RESULTADOS

1.       Composição específica

                Foram computadas 15 espécies de algas bentônicas nos matacões amostrados, sendo 6 Chlorophyceae: Cladophora sp1, Ulva fasciata Delile, Chaetomorpha sp, Cladophora sp2, Codium decorticatum (Woodward) Howe e Ulva flexuosa Wulfen e 9 Rhodophyceae: Centroceras clavulatum (C.Agardh) Montagne, Chondracanthus teedii (Roth) Kutz., Lomentaria rawitcheri Joly, Gymnogongrus griffthisiae (Turner) Martius, Chondracanthus acicularis (Roth) Fredericq, Gelidium pusillum (Stackhouse) Le Jolis, Neosiphonia sp e Stylonema  alsidium (Zanardini) Drew.    A grande maioria reconhecidamente espécies oportunistas. O censo destes organismos consta na Tabela 1.


TABELA 1

                As espécies comuns em todas as amostras são aquelas que apresentam maior frequência nos três mosaicos:  Centroceras clavulatum, Chondracanthus teedii, Cladophora sp1, Ulva fasciata e Gelidium pusillum. Espécies fiéis a determinado mosaico se apresentaram de forma rara como os casos de Chaetomorpha sp (Mosaico 1), Gymnogongrus griffthisiae e Ulva flexuosa (Mosaico 2) e Codium decorticatum (Mosaico 3). Neosiphonia sp ocorreu nos mosaicos 3 e 2 enquanto Lomentaria rawithcheri e Chondracanthus acicularis ocorreram nos mosaicos 1 e 2, conforme Figura C e confirmados os dados no nMDS na Figura D.


Figura C


Figura D

 

2.       Ordenação multivariada

 

Observa-se na Figura E os cluster formados a partir da ordenação das amostras e percebemos a formação dos três grupos nomeados Mosaico 1, 2 e 3. Os valores na Figura F demonstram a ordenação nMDS das mostras do exercício.  

 FIGURA E

 

FIGURA F

3.       Diversidade


AMOSTRAS

H’

Mosaico 1

0,79

Mosaico 2

0,88

Mosaico 3

0,74

Todas

0,99




FIGURA G

Na Figura G são apresentados os índices de Shannon de cada mosaico e o total encontrados nas amostras.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

                Embora a palavra distúrbio tenha uma conotação inicial negativa, o seu uso em estudos ambientais tem outros significados. Na realidade, os distúrbios constituem um conjunto importante de eventos que age na estrutura e funcionamento de sistemas ambientais (Battisti et al.2016).

                A presente pesquisa foi efetuada em um local já reconhecido como uma área sob grande efeito da poluição orgânica por despejo de esgoto (Souza et al.2014 e Soares-Gomes et al.2016) o que já constitui um distúrbio antrópico. A comunidade apresentou-se formada por algas de reconhecido comportamento oportunista visto as condições ambientais de poluição (Teixeira et al. 1987 e Taouil e Yoneshigue-Valentin, 2002), a ausência de algas pardas também foi um indicador que o ambiente não tem boas condições ambientais (Machado et al, 2016), assim como o sucesso das colonizadoras Ulva e Cladophora já apontadas por Gestinari & Yoneshighe-Valentin (2018) para diversas localidades da Baia de Guanabara.

                As três comunidades reconhecidas pelo tratamento multivariado apresentaram as mesmas espécies dominantes, tendo uma ou outra espécie restrita a uma comunidade, variando na maior presença ou ausência de determinada espécie em cada comunidade, o que propiciou valores diferentes no índice de diversidade de Shannon onde se constata que a comunidade denominada Mosaico 2 se apresenta como a etapa final de sucessão, tendo a comunidade Mosaico 2 como intermediária e a comunidade Mosaico 1 como o estágio inicial tendo os valores dos índices auxiliando nesta identificação. A análise do índice de diversidade tomando toda a amostra no ambiente mostrou ser maior do que qualquer um dos apresentados nos mosaicos separadamente. Este fato demonstra que embora houvesse uma semelhança na composição específica das comunidades classificadas, seu conjunto e estrutura mostra um aumento na diversidade, ou seja, o distúrbio produz um mosaico que aumenta a diversidade local.

                A frequente e notória presença de catadores de mexilhão na área tornou-se o indício marcante para tornar-se no distúrbio antrópico causador da ocorrência.

                Obviamente, este exercício apenas apresentou uma possibilidade e mostrou que pequenas práticas como essa podem ser utilizadas de forma didática no uso educacional e como ferramenta para uma futura e estruturada pesquisa no ambiente.

 

REFERÊNCIAS

Alencar, B.J.; Barroso, L.C. e Abreu, J.F. 2013. Análise multivariada de dados no tratamento da informação espacial: Uma abordagem com a análise de grupamentos. Sist. Cibern. Inform. 10:6-12.

Battisti, C. Poeta, G. Fanelli, G. 2016. An introduction to disturbance ecology. Springer.

Beauchamp, KA. and Gowing, MM., 1982. A quantitative assessment of human trampling effects on a rocky intertidal community. Marine Environmental Research, 7:279293.

Brosnan, DB. and Crumrine, LL., 1994. Effects of human trampling on marine rocky shore communities. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 177: 7997.

Brown, PJ. and Taylor, RB., 1999. Effects of trampling by humans on animals inhabiting coralline algal turf in the rocky intertidal. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 235:45-53.

Clements, F.E. 1916. Plant succession: An analysis of the development of vegetation. Carnegie Inst. Washington Publ. no.242.

Denslow, J.S. 1985. Disturbance-mediated coexistence of species. In Pickett & White. The ecology of natural disturbance and patch dynamics. 307-321 pag. Academic Press.

Ferreira, M.N. and Rosso, S. 2009. Effects of human trampling on a rocky shore fauna on the Sao Paulo coast, southeastern Brazil. Braz. J. Biol. 69:993-999.

Gestinari, L.M.S.& Yoneshigue-Valentin, Y. 2018. Alterações decadais nas comunidades macroalgáceas. In Valentin, J.L. Paiva, P.C. e Salomon, P.S. (org.) A Baía de Guanabara: Passado, presente e future de um ecossistema ameaçado. CRV.

Keough, MJ. and Quinn, GP., 1998. Effects of periodic disturbances from trampling on rocky intertidal algal beds. Ecological Applications, 8:141-161.

Liddle, MJ., 1975. A selective review of the ecological effects of human trampling on natural ecosystems. Biological Conservation, 7:17-36.

Machado, G. E. M., Silva, V.L.T.C., Bispo, G.M., and Miranda, R.G.B. 2016. Comunidade Macrobentônica de Costões Rochosos de duas Praias do Município de Niterói-RJ. Semioses Inovação Desenvolvimento e Sustentabilidade. 10:40-50.

Petraits, P.S. Latham, R.E. Niesenbaum, R.A. 1989. The maintenance of species diversity by disturbance. Quart.Rev.Biol.64:393-418.

Pickett, S.T.A. Kolasa, J. Armesto, J.J. Collins, S.L. 1989. The ecological concept of disturbance and its expression at various hierarchical levels. Oikos. 54: 129-136.

Pickett, S.T.A. and White, P.S. 1985. The ecology of natural disturbance and patch dynamics. Academic Press.

Pinn, EH. and Rodgers, M., 2005. The influence of visitors on intertidal biodiversity. Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom, 85:263-268.

Povey, A. and Keough, MJ., 1991. Effects of trampling on plant and animal populations on rocky shores. Oikos, 61:355-368.

Reice, S.R. Nonequilibrium Determinants of Biological Community Structure. American Scientist. 82:424-435.

Schiel, DR. and Taylor, DI. 1999. Effects of trampling on a rocky intertidal algal assemblage in southern New Zealand. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, 235: 213-235.

Silva, M.A.M., Silva, A.L.C. Santos, C.L., Silvestre, C.P., Marinho, R.V., Cunha, A.B.C., Gralato, J.C.A. and Souza, R.D. 2016. Praias da Baía de Guanabara no Estado do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geomorfologia 17:205-225.

Soares-Gomes, A; da Gama, B.A.P; Baptista Neto, J.A. D.G. Freire, R.C. Cordeiro, R.C; Machado, W; Bernardes, M.C; Coutinho, R; Thompson, F. e Pereira, R.C. 2016. An environmental overview of Guanabara Bay, Rio de Janeiro. Regional Studies in Marine Science. 8: 319-330.

Sousa, W.P. 1984. The role of disturbance in natural communities. Ann. Rev. Ecol. Syst. 15:353-391.

Sousa, W.P. 1985. Disturbance and patch dynamics on rocky intertidal shores. In Pickett & White. The ecology of natural disturbance and patch dynamics. 101-124 pag. Academic Press.

Souza, L.G.R; Miranda, A.C. e Medeiros, H.B. 2014. O lixo, o esgoto na Baía de Guanabara e os programas de despoluição: A mídia versus os dados. X Fórum Ambiental da Alta Paulista, 10:183-198.

Taouil, A. and Yoneshigue-Valentin, Y. 2002. Alterações na composição florística das algas da Praia de Boa Viagem (Niterói, RJ). Revista Brasileira de Botânica 25:405–412.

Teixeira, V. L., Pereira, R.C. Marques, A.N. Leitão, C.M. and Silva, C.A.R. 1987. Seasonal variations in infralittoral seaweed communities under a pollution gradient in Baía de Guanabara, Rio de Janeiro (Brazil). Ciência & Cultura 39:423-428.

White, P.S. 1979. Pattern, process, and natural disturbance in vegetation. Bot.Rev.45:229-299.

Wilkinson, D.M. 2002. Ecology before ecology: biogeography and ecology in Lyell´s ´Principles`. Journal of Biogeography 29:1109-1115.