ORDENAÇÃO DE FICOCOMUNIDADES EPÍFITAS
EM AMBIENTE DE MANGUEZAL
I – INTRODUÇÃO
Áreas de manguezal são comuns em toda
a costa brasileira. Este tipo de vegetação ocorre desde a costa norte do país
até a costa sul do Estado de Santa Catarina.
Tendo em
vista a escassez de substrato para se fixarem, várias espécies de algas
bentônicas utilizam-se dos troncos e pneumatóforos de espécies arbóreas para se
estabelecerem.
O objetivo
deste trabalho é ordenar duas ficocomunidades distintas, localizadas em troncos
e pneumatóforos e analisar o seu comportamento em relação à exposição direta da
luz e zonação nos troncos.
II – MATERIAL E MÉTODOS
A. Descrição do local
O
local pesquisado localiza-se no manguezal formado pela confluência dos rios
Ingaíba e São Brás, no interior da Baía de Sepetiba, ao sul da cidade de
Mangaratiba(RJ).Figura 1: Local de coleta
O manguezal é formado
inicialmente por uma curta faixa constituída predominantemente por Laguncularia racemosa Gaethern e
escassos exemplares de Rhizophora mangle
Linnaeus, mais para o interior dos rios encontram-se uma maior quantidade
de Avicennia shaweriana Stapf &
Leechmann e Hibisco tiliaceus
Linnaeus .
Figura 2: Foto do local
A flora
algológica bentônica do local e das regiões vizinhas foi recentemente descritas
por Pedrini (1980)
B. Amostragem
Os dados de campos foram obtidos
através de coletas sistemáticas no período entre o inverno/1985 e o
outono/1986. Adaptou-se a metodologia utilizada por Mitchell et al (1974) e
Davey & Woelkerling (1980) de forma que foram coletados pneumatóforos e fragmentos
do tronco de Laguncularia racemosa onde ocorriam algas bentônicas. Os pneumatóforos
foram coletados inteiros e os fragmentos dos troncos foram coletados os 5 cm
superiores (onde se encontravam algas) e os 5 cm inferiores da comunidade de
algas (junto ao sedimento).
Foram realizadas amostras em regiões
na borda da vegetação em contato com o rio, onde a comunidade estava exposta à
luz direta do sol e em regiões no interior da vegetação onde a exposição à luz
era menos intensa, em cada período do ano.
Não menos do que 25 amostras por
estação foram realizadas.
C. Análise dos Dados
Os dados de campo foram computados
através das presença/ausência de cada espécie em cada amostra em cada estação e
período do ano, levando-se em conta o aspecto reprodutivo de cada espécie para
análise de sua fenologia.
Para ordenação polar (Bray &
Curtis, 1957) aplicou-se a dupla padronização conforme sugerido por Cottan et
al (1978), tendo usado como índice de similaridade o somatório dos pontos
mínimos em comum conforme Goodall (1978).
Para os cálculos de associação de
espécies usou-se o método do qui-quadrado (Agnew, 1961 e Goodall, 1953).
Figura 3: Ordenação Comunidades epífitas em troncos. (P-Primavera, V-Verão, I - Inverno e O - Outono)
Figura 4: Ordenação - Espécies epífitas em troncos.
Figura 5: Ordenação Polar: Comunidades em pneumatóforos.
Figura 6: Ordenação - Espécies epífitas em pneumatóforos.
Figura 7: Associação de Espécies - Qui-Quadrado.
III – RESULTADOS
A. Ordenação e Distribuição das Espécies
Foram
relatadas para o local, as seguintes algas:
Bostrychia calliptera (Montagne)
Montagne
Bostrychia moritziana (Sonder ex
Kutzing) J. Agardh
Bostrychia radicans (Montagne)
Montagne)
Caloglossa leprieurii (Montagne) G.
Martens
Caloglossa ogasawaraensis Okamura
Catenella
caespitosa (Withering) Irvine
Rhizoclonium
africanum Kutzing
Chaetomorpha gracilis
Gayralia oxysperma (Kutzing)
Vinogradova
Compsopogon caeruleus (Balbis ex C. Agardh)
Montagne
A ordenação polar das comunidades
epífitas aos troncos mostrou-se, a princípio, muito influenciada pela
localização das populações quanto à altura no tronco, e em segundo plano, se o
local estava exposto ou não a luz direta do sol.
Figura 4: Ordenação - Espécies epífitas em troncos.
Analisando
a distribuição das espécies quanto à ordenação dos grupos observamos que Bostrychia radicans, Bostrychia moritziana,
Rhizoclonium africanum e Chaetomorpha gracilis apresentaram maiores
freqüências em regiões altas dos troncos à luz direta do sol.
Catenella
caespitosa, Bostrychia calliptera, Caloglossa leprieurii e Caloglossa
ogazawariensis apresentaram maiores freqüências em regiões baixas dos
troncos e preferencialmente em locais sombreados.
A ordenação polar da comunidade
epífita nos pneumatóforos mostrou-se influenciada pela exposição direta à luz
solar (Figuras 3-6).
Bostrychia radicans, Bostrychia
moritziana e Chaetomorpha gracilis apresentaram maiores freqüências em áreas expostas. Bostrychia radicans mostrou maiores
freqüências em áreas sombreadas apenas no verão.
Catenella
caespitosa, Bostrychia calliptera, Caloglossa leprieurii, Caloglossa
ogazawariensis e Rhizoclonium africanum mostraram maiores freqüências em
áreas sombreadas. Catenella caespitosa e
Caloglossa leprieurii apresentaram maiores freqüências em locais expostos à
luz apenas no inverno.
Gayralia
oxisperma apresentou maiores freqüências no inverno e em regiões expostas à
luz solar. Compsopogon caeruleus
apresentou maiores freqüências no verão e em regiões expostas.
Figura 5: Ordenação Polar: Comunidades em pneumatóforos.
Figura 6: Ordenação - Espécies epífitas em pneumatóforos.
A análise
utilizando-se a associação de espécies comprova estas observações a níveis
estatisticamente aceitáveis (Figura 7).
Figura 7: Associação de Espécies - Qui-Quadrado.
Apenas as
espécies Catenella caespitosa (Withering)
Irvine, Caloglossa leprieurii (Montagne) G. Martens, Bostrychia radicans
(Montagne) Montagne e Bostrychia moritziana (Sonder ex Kutzing) J. Agardh
apresentaram reconhecíveis estruturas de reprodução durante o período
pesquisado.
·
Catenella caespitosa apresentou tetrasporângios em todas
as épocas do ano com maiores freqüências na primavera e verão, nas regiões
baixas dos troncos, principalmente nas áreas expostas. Plantas cistocárpicas
ocorreram somente no inverno nas regiões baixas dos troncos expostos e
pneumatóforos das regiões expostas.
·
Caloglossa leprieurii apresentou plantas tetraspóricas
presentes em baixas freqüências no outono nos pneumatóforos em áreas
sombreadas, na primavera em regiões baixas dos troncos em áreas expostas e com
maior frequência nos pneumatóforos em regiões expostas durante o inverno.
·
Bostrychia moritziana apresentou-se na forma cistocárpica
com maiores freqüências durante a primavera nos pneumatóforos de regiões
expostas. Plantas masculinas ocorrem com baixas freqüências nas regiões altas
dos troncos de zonas expostas durante a primavera. Plantas tetraspóricas
ocorrem com altas freqüências em pneumatóforos expostos na primavera e
freqüência média nos pneumatóforos expostos e regiões altas dos troncos de
áreas sombreadas no inverno.
·
Bostrychia radicans ocorreu na forma tetraspórica em
todas as estações de coleta pelo menos em duas épocas do ano, apresentando
maiores freqüências nos pneumatóforos de regiões expostas principalmente
durante a primavera e verão. Nas estações de coleta expostas e no período do
verão foram encontradas as maiores freqüências para este aspecto reprodutivo.
Plantas cistocárpicas foram encontradas com altas freqüências nas zonas altas
dos troncos de regiões sombreadas no inverno, nos pneumatóforos em regiões
expostas e zonas altas dos troncos durante a primavera e nos pneumatóforos de
regiões sombreadas no verão. Plantas masculinas ocorreram com altas freqüências
nas zonas altas dos troncos e em regiões sombreadas durante o inverno e verão e
com baixas e médias freqüências nos pneumatóforos de regiões expostas.
IV – DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
São várias as condições adversas
para o estabelecimento de algas bentônicas em regiões de manguezal (Chapmann,
1976). Manguezais da região caraíbica (Almodovar & Pagan, 1971; Burkholder
& Almodovar, 1973) e da costa sul australiana (Davey & Woelkerling,
1980 e Beanland & Woelkerling, 1982 e 1983) parecem estar submetidos à um
menor stress que os manguezais da costa brasileira, quando comparamos suas
diversidades específicas. A presença de espécies características de costões
rochosos e de outras regiões que não manguezais são boas indicações que realçam
estas diferenças no caso dos manguezais caraíbicos e australianos. Regiões de
manguezais da costa nordestina brasileira demonstram padrão semelhante aos dos
mangues caraíbicos (Miranda, 1986). O substrato lamoso parece ser o fator mais
importante para diminuição do número total de algas nos manguezais do sudeste
brasileiro, quando comparados a outras áreas (Oliveira Filho, 1984).
Davey & Woelkerling (1980)
observaram que a diversidade da comunidade ficobentônica de pneumatóforos de
regiões de mangue no sul da Austrália é influenciada pela presença de água
doce. Quanto maior a influência, menor é a diversidade. A região pesquisada
neste trabalho estava em contato direto com as águas dos rios envolvidos e se
compararmos sua flora com a de outros manguezais vizinhos, porém pouco
influenciados pelo rio, percebemos que este fato também ocorre em nossa área. O
manguezal de Itinguçu, ao norte da região pesquisada, apresenta áreas pouco
afetadas pela presença do rio e possui cerca de 20 espécies (Pedrini, 1980 e
observações pessoais) enquanto nossa área pesquisada apresentou 10 espécies
apenas.
A presença da associação
Bostrychia-Catenella-Caloglossa em manguezais caraíbicos (Almodovar &
Pagan, 1971) que ocorre apenas em regiões sombreadas, não ocorre em manguezais
australianos (Beanland & Woelkeriing, 1983), o mesmo não acontecendo em nossa
região pesquisada. Acreditamos que a competição com espécies mais adaptadas
mantém esta associação em áreas sombreadas onde melhor se adaptam. No entanto,
uma forte competição entre estas provavelmente acontece também.
A estrutura da comunidade ficológica
bentônica dos manguezais parece estar influenciada por fatores locais a cada
mangue, tendo em vista as diferenças e comportamentos indicados neste e em
vários outros trabalhos (Almodovar & Pagan, 1971; Mitchell et al,1974;
Beanland & Woelkerling, 1983;Oliveira Filho, 1969 e 1984; Davey &
Woelkerling, 1980).
A zonação das algas bentônicas em
ambientes de manguezal do sudeste brasileiro já foi percebida por Por et al
(1984) e Oliveira Filho (1984). Foi observado neste trabalho que, a comunidade
de algas dos troncos de Laguncularia racemosa se estabelece zonadamente,
independente da localização das plantas no manguezal (se em local exposto ou
não a luz solar direta), e que a parte superior é coberta pelas espécies: Bostrychia radicans, Bostrychia moritziana,
Chaetomorpha gracilis e Rhizoclonium africanum, enquanto a parte inferior,
em contato com o sedimento, é dominada por Catenella
caespitosa, Bostrychia calliptera, Caloglossa ogazawaraensis e Caloglossa
leprieurii. A presença de Bostrychia
radicans e outras espécies do mesmo gênero em áreas sombreadas do
supra-litoral de costões rochosos demonstra que estas espécies são resistentes
a dessecação, talvez este fato seja o mais importante para a localização destas
plantas nas partes mais altas dos troncos. Nas partes inferiores dos troncos
sua frequência diminui provavelmente devido à competição com Catenella caespitosa que forma sempre
uma densa população nestas áreas.
A estrutura da comunidade epífita em
pneumatóforos é influenciada pela exposição ou não da luz direta do sol, do
mesmo modo como já foi relatado em regiões australianas (Davey &
Woelkerling, 1980). A iluminação pouco influencia a composição e estrutura da
comunidade dos troncos, sendo importante apenas na fenologia das plantas de
acordo com a localização da planta-substrato.
Agradecimentos
Agradeço aos pesquisadores Verena R.
Eston e Alexandre G. Pedrini pela leitura crítica do manuscrito e pelas
sugestões propostas.
V – REFERÊNCIAS
Agnew, A.D.Q.
1961. The ecology of Juncus effusus in North Wales. J.
Ecol. 49:83-102.
Almodovar,
R.L.R. and Pagan, F.A. 1971. Notes on a mangrove lagoon and
mangrove channels at la Paguera, Puerto Rico. Nova Hedwigia. 21:241-253.
Bealand, W.R.
and Woelkerling, W.J. 1982. Studies on Australian mangrove
algae. II. Composition and geographic distribution of communities in Spencer
Gulf, South Australia. Proc.R.Soc.Vict. 94:89-106.
Bealand, W.R.
and Woelkerling, W.J. 1983. Avicennia canopy effects on mangrove
algal communities in Spencer Gulf, South Australia. Aquatic Botany.
17:309-313.
Bray, J.R.
and Curtis, J.T. 1957. An ordination of the upland forest
communities of Southern Wisconsin. Ecol.Monogr. 27:325-349.
Burkholder,
P.R. and Almodovar, R.L.R. 1974/75. Studies on
mangrove algae communities in Puerto Rico. Florida Scientist. 36:66-74.
Chapman, V.L.
1976. Coastal vegetation. Great Britain, Pergamon Press.
291 pags.
Cottan, G.;
Goff, F.G. and Whittaker, R.H. 1978. Wisconsin
comparative ordination. I: Ordination of Plant Communities. W.Junk Publ. The
Hague. Pags: 185-213.
Davey, A. and
Woelkerling, W. J. 1980. Studies on Australian mangrove
algae. I: Victorian communities: Composition and geographic distribution. Proc.R.Soc.Vict.
91:53-66.
Goodall, D.W.
1953. Objective methods for the classification of
vegetation. I:. The use of positive interspecific correlation. Austr.J.Bot.
1:39-63.
Goodall, D.W.
1978. Samples similarity and species correlation. In:
Ordenation of Plant Communities. W.Junk Publ.The Hague. Pp99-149.
Miranda, P.T.C. 1985. Composição e distribuição das
macroalgas bentônicas no manguezal do Rio Ceará. Recife. Dissertação de
Mestrado. UFPe. 96 pags.
Mitchell, G.S.P.;Monteiro, D.F. e
Medina, R.S. 1974.
Observações ficológicas no manguezal de Piedade. Leandra. 4-5:137-142.
Oliveira Filho, E.C. 1969. Algas marinhas do Sul do Estado do
Espírito Santo.I: Ceramiales. Bol.Fac.Cienc.Letr.USP-Botânica. 26:1-277.
Oliveira Filho, E.C. 1984. Brazilian
mangal vegetation with special emphasis on the seaweeds. In: Hydrobiology of
the mangal. The Hague. Junk Publ. pags.56-65.
Pedrini, A.G. 1980. Algas marinhas bentônicas da Baia de
Sepetiba e arredores. Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. UFRJ. 403 pags.
Por, F.D.; Por-Prado, M.S. and
Oliveira Filho, E.C. 1984. The mangal of the estuary and lagoon system of Cananéia.
In: Hydrobiology of the mangal. The Hague. W. Junk Publ. pags. 212-228.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe sua contribuição aqui