DISTÚRBIOS INFLUENCIANDO A DISTRIBUIÇÃO
DE MACROALGAS EM ANTIGAS LINHAS DE COSTA DA PRAIA DA BOA VIAGEM (Recife-PE)
José Antonio Muniz
1989
INTRODUÇÃO
São poucos os trabalhos que descrevem
os ambientes intermareais do nordeste brasileiro com ênfase nas fico-comunidades
bentônicas (Fernandes, 1980 e Eston et. all, 1986).
A presença
de distúrbios em comunidades naturais é um fator de grande importância na
regulação e estruturação destes ambientes e comunidades (Sousa, 1984).
Distúrbios causados por efeitos físicos são apontados em diversos trabalhos em
ambientes marinhos especialmente os focados em sistemas intermareais (Dayton,
1975 e 1985; Hay, 1981 e Santelices, 1977).
Neste
trabalho são descritas as fico-comunidades bentônicas estabelecidas em uma
antiga linha de costa de arenito na Praia da Boa Viagem, Recife (PE). A flora
bentônica das costas pernambucanas embora bem descrita (Pereira, 1974 e 1977)
no que tange as Chlorophyta e Rhodophyta, no entanto, pouco é encontrado sobre as condições
ambientais onde estes organismos sobrevivem.
O objetivo
deste trabalho é, através do método da ordenação polar, comparar a estrutura
das comunidades ficológicas locais com relação aos dois possíveis fatores de
stress ambiental observados no local: a exposição ao ar e o assoreamento e
abrasão causados pela areia da praia, e correlacionar a diversidade e os tipos
biológicos funcionais classificados por Littler & Littler (1980) com estes
fatores estressantes.
Palavras chave: Classificação de comunidades, ação da areia,
exposição ao ar, tipos morfo-funcionais, Recife.
MÉTODOS
Os dados de
campo foram colhidos através de coletas aleatórias em 5 zonas visualmente
estabelecidas quanto as suas estruturas, em uma antiga linha de costa na Praia
da Boa Viagem, Recife (PE). – Figura 1 e 2.
A zona 1 (Figura
3) é formada por pequenos blocos de arenito localizados entre a praia e o
recife, sempre submersas, muito influenciada pela areia da praia. A zona 2 é
uma área intermediária entre a areia e o recife, sofrendo pouca ação da areia e
exposta na maré baixa. A zona 3 é formada pela parte mais alta do recife,
formada por poças rasas, submersas apenas em marés muito altas ou por respingos
das ondas. A zona 4 é uma região intermediária entre o mar e o recife, exposta
ao ar na maré baixa e sofrendo a ação da areia em conjunto com a força das
ondas. A zona 5 é semelhante a primeira zona descrita, porém, a ação de abrasão
provocada pela areia é maior devido a ação conjunta com as ondas e a
disponibilidasde de substrato é maior, além de estar permanentemente submersa.
Utilizou-se um quadrado de 20 cm de lado na coleta de dados e
apenas as macroalgas identificáveis à olho nu foram registradas, somente
anotou-se as algas menores quando cobriam mais de 25% da área do quadrado.
A freqüência
das algas em cada zona foi medida pela presença/ausência de cada espécie em
cada amostra e padronizando esta frequência em percentuais relativos (Kershaw
& Looney, 1985 e Smith, 1980). Foram realizadas 15 amostras na zona 1, 10
amostras na zona 2, 3 e 4 e 20 amostras na zona 5. A relação entre o número de
espécies por número de amostras demonstrou que estes valores estavam acima da
quantidade mínima de amostragem necessária em todas as zonas estudadas,
conforme Bennett & Humphries (1985). Os valores destas medidas encontram-se
na Figura 4.
Na ordenação polar (Bray & Curtis, 1957) utilizou-se como
índice de similaridade o somatório percentual mínimo para cada espécie (∑
PSMin) conforme Goodal (1982) e a dupla-padronização preconizada por Cottam et
all (1982).
Como não
foram efetivamente medidas a ação da areia e a exposição em cada zona,
utilizou-se as posições nos eixos da ordenação polar relativos a cada zona com
maior e menor ação destes efeitos como um índice comparativo entre cada uma
destas zonas.
Os
ajustamentos das curvas e coeficientes de correlação foram calculados
utilizando-se o pacote estatístico encontrado em Ayres & Ayres (1987) e um
equipamento de lógica TRS-80.
Para análise
da normalidade dos dados amostrados utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov.
RESULTADOS
A. Composição Florística.
A flora em questão é muito
semelhante à descrita para uma área um pouco ao norte do local pesquisado
(Pereira, 1974 e 1977).
Um total de 45 espécies diferentes
de macro-algas foram listadas neste trabalho, sendo 10 Chlorophyta, 2
Phaeophyta e 33 Rhodophyta.
A composição das 5 zonas estudas
estão descritas na Figura 5.
Do total de espécies encontradas no local, verifica-se um
grande número de espécies endêmicas em cada zona analisada; alcançando índices
de 14 a 50%, conforme apresentado na figura 6.
B.
Ordenação dos Dados.
A ordenação polar a partir dos dados encontrados na figura 5
encontra-se na figura 7.
Podemos visualizar que as zonas 1 e
5 estão próximas no grafo e mais distantes as zonas 2 e 3.
C. Fatores de Stress
Observando os valores encontrados para o eixo x e para o eixo
y do grafo e comparados visualmente com a ação da areia e a exposição ao ar em
cada zona estudada, produziu-se uma tabela ordenada de valores encontrados na
figura 8, onde podemos notar uma grande correlação na posição ordenada de cada
zona estudada com cada fator de stress.
Estes valores serão utilizados como uma forma de ordenamento
para qualquer comparação e correlação com os fatores que eles exprimem.
D. Grupos morfofuncionais.
O total das espécies analisadas pela forma que apresentam seus
talos (morfologia funcional) no local estudado é discriminado na figura 9.
Podemos observar que há uma predominância de espécies coriáceas
(leathery-rubbery) e ramificadas (fleshy-wiry) em detrimento das outras formas.
Os grupos morfofuncionais distribuem-se em cada zona
analisada indicando as condições ambientais ai encontradas, caracterizando-as,
conforme é demonstrado na figura 10, onde podemos observar a predominância de
formas coriáceas nas zonas 1 e 5 e de formas ramificadas nas outras zonas.
E. Diversidade.
Ao analisar a diversidade em cada
zona estudada observa-se maiores valores nas zonas 5 e 1 independentemente do
índice escolhido, conforme é demonstrado na
figura 11.
F. Correlações
Fez-se uma
comparação da variação da diversidade com os fatores físicos que nos parecem
ser os mais importantes no local analisado: a exposição ao ar e ação da areia.
Os resultados encontram-se na figura
12 onde podemos afirmar ser o comportamento de cada variável, antagônicas em
relação à diversidade. A diversidade alfa (H’) teve um aumento diretamente
proporcional com o aumento da ação da areia (abrasão e soterramento) enquanto
com a exposição ao ar apresenta uma relação inversamente proporcional.
Correlacionando a variação da ação da areia e exposição ao ar
com a presença de algas de acordo com sua morfofuncionalidade, encontramos
correspondências tais como uma relação diretamente proporcional entre
macroalgas coriáceas com a ação da areia e macroalgas ramificadas com a exposição
ao ar; e uma relação inversamente proporcional entre a ação da areia com
macroalgas ramificadas e exposição ao ar com macroalgas coriáceas (figura 13).
Tendo em vista o tipo de amostragem ou a condições não
controladas; os tipos folhosos e filamentosos não apresentaram um padrão de
correlação significativo, no entanto, o tipo folhoso mostrou uma pequena
tendência a uma relação diretamente proporcional a exposição ao ar e o tipo
filamentoso uma relação inversamente proporcional ao mesmo fator (Figura 14).
DISCUSSÃO
Embora a
composição da flora de macroalgas da região nordeste seja bem conhecida (Oliveira
Filho, 1977 e Eston et all, 1986), ela se mostra diferente de outras regiões
naturais próximas (Pereira, 1974 e 1977) principalmente em relação à ausência
de algas pardas comuns em semelhantes ambientes tais como algas do gênero Sargassum e Dictyotales. Esta situação
pode indicar uma possível presença de poluição no local, trabalhos em outras
regiões sob este efeito mostram semelhante comportamento (Oliveira Filho &
Berchez, 1978; Teixeira et all, 1987 e Muniz, 1989).
Espécies
só sobrevivem em um ambiente uniforme e em equilíbrio competitivo se existem
nichos diferentes para estas espécies (Whittaker, 1975 e Pickett, 1980). As
diferentes condições ambientais encontradas nas antigas linhas de costa da
Praia da Boa viagem propiciam esta diversidade, a sua manutenção e a sua
estrutura. O alto índice de endemismo nas zonas analisadas mostra um local com
vários nichos diferentes, inclusive dentro de cada zona analisada
Os efeitos causados pela ação da areia (Chapman, 1943;
Stephenson, 1942; Lewin, 1964 e Daly & Mathieson, 1977) e da exposição ao
ar (Santelices, 1977) em comunidades intermareais são bem documentados na
literatura científica. No local pesquisado, a morfofuncionalidade do talo das
macroalgas mais freqüentes em cada zona está relacionada diretamente com o
fator de maior importância para sua sobrevivência.
Embora, a
princípio, nos pareceu ser a zona 3 aquela mais exposta ao ressecamento, a
ordenação polar apontou a zona 2 quando tomado este valor para este stress
(eixo Y da ordenação). Isto porque a zona 3 recebe água do mar na maré alta e
também quando ocorre um maior hidrodinamismo no local (o que é uma
característica comum à área), além da presença de rasas poças de maré naquela
área, que garantem umidade suficiente para períodos de emersão, enquanto a zona
2 depende exclusivamente do movimento das marés para este acontecimento, e por
isso mesmo mais exposta aos efeitos do ressecamento causados pela exposição ao
ar.
No local
pesquisado, a estrutura do talo das macroalgas mais freqüentes em cada zona
está relacionada diretamente com o fator de maior importância para sua
sobrevivência.
Plantas com
o aspecto coriáceo (leathery-rubbery) resistem melhor em ambientes
caracterizados pela maior abrasão, batimento das ondas e ao pastoreio (Dayton,
1975 e Littler et all, 1980 e 1983). Na figura 13 observamos que plantas deste
tipo são mais freqüentes nas zonas 1 e 5, caracterizadas pelos fatores citados.
Com a diminuição da abrasão e soterramento, a comunidade adquire espécies e
elimina outras, propiciando melhores condições para outras do tipo ramificado
(fleshy-wiry) e que melhor se ambienta nas regiões onde a exposição ao ar é
maior. As zonas escolhidas são 2 e 3, onde apresentam maior coeficiente de
correlação em relação à exposição, a espécie Gelidiella acerosa é característica destas regiões, apresentando
altas freqüências.
Plantas do
tipo folhoso não apresentaram um padrão definido de distribuição. A presença
deste tipo de alga foi maior nas zonas 2 e 5. Na zona 5 ela estava representada
pelas algas: Vidalia obtusiloba, Amansia
multifida, Dictyopteris delicatula, Cryptonemia crenulata e Ulva fasciata.
Exceto a última, todas as outras espécies citadas possuem vários estratos de
células e um córtex, que dão maior resistência a planta em relação à abrasão. Ulva fasciata, nesta zona, apresentou-se
em tufos pequenos e, possivelmente, tendo em vista o caráter oportunista que
esta alga apresenta, estava cobrindo um local recém-desnudo. O aspecto
morfofuncional teve pequena correlação com a exposição ao ar.
A presença
de plantas folhosas na zona 2 estava representada principalmente por Ulva lactuca e Anadyomene stellata. Anadyomene
stelatta por se instalar em fendas e trincas das rochas, obteve melhor
proteção contra a exposição ao ar (dessecamento e insolação). O gênero Ulva além de sua resistência à exposição
ao ar (Artaza et all, 1987), apresenta uma certa sobreposição de várias lâminas
de seus próprios talos, o que garante maior proteção contra a exposição ao ar
(Gessner & Schramm, 1971).
Plantas
filamentosas foram raras, mas apresentaram uma pequena correlação negativa com
a exposição ao ar.
A
diversidade mostrou-se imensamente influenciada pela ação dos dois fatores
estudados, mostrando uma relação positiva com a ação da areia. Os locais mais
influenciados por este fator encontram-se em condições infralitorais, onde
ocorre uma maior ocorrência de diferentes nichos.
REFERÊNCIAS
Artaza, O.B. et all, 1987. Distribuição vertical e tolerância ao dessecamento em algas da zona das marés do litoral de São
Sebastião, SP. Resumo dos Trabalhos apresentados
na IIIª Reun.Bras.Ficologia. pag. 44.
Ayres, M. e Ayres Jr,
M. 1987. Aplicações
estatísticas em Basic. 310 pag. Ed.McGraw- Hill. São Paulo.
Bennett, D.P. and Humphries, D.A. 1985. Ecologia de Campo. 326 pag. Hermann Blume. 3ª Ed.
Bray, J.R. and Curtis, J.T. 1957. An ordination
of the upland forest communities of southern
Wisconsin. Ecol.Monogr.
27:325-349.
Carvalho, F.A.F. 1980. A flora marinha bentônica do litoral
do Estado da Paraíba: Perspectivas
econômicas. Bolm. Inst.Oceanogr. S.Paulo. 29(2): 83-85.
Chapman, V.J. 1943. Zonation of marine algae on sea
shore. Proc. Linn. Soc. London. 154:239-253.
Cottam, G. et all. 1982. Wisconsin comparative
ordenation “in” Ordenation of plant communities. (ed. Whittaker,R.H.) pag.
185-213. Dr. Junk Publ.
Daly, M.A. and Mathieson, A.C. 1977. The effects
of sand movement on intertidal seaweeds
and selected invertebrates at Bound Rock, New Hampshire. Mar.Biol. 43:45-55.
Dayton, P.K. 1975. Experimental evaluation of
ecological dominance in a rocky intertidal
algal community. Ecol.Monogr. 45:137-159.
Dayton, P.K. 1985. The structure and regulation of
some South American kelp communities.
Ecol. Monogr., 55:447-468.
Eston, V.R. et all. 1986. Vertical distribution of
benthic marine organisms on rocky coast
of the Fernando de Noronha Archipelago. Bolm. Inst. Oceanogr. S. Paulo. 34: 37-53.
Gessner, F. and Schramm, W. 1971. Salinity
Plants. “in” Kinne (ed) Marine Ecology. Vol.1
part 2.pags. 705-820. Wiley-Interscience.
Goodall, D.W. 1982. Sample similarity and species
correlation. “in” Ordination of Plant Communities
(ed.Whittaker,R.H.) pag. 99-149. Dr. Junk Publ.
Hay, M. E. 1981. The functional morpho1ogy of turf-forming seaweeds: persistence in stressful
marine habitats. Ecology, 62:739-750.
Kershaw, K.A. and Looney, J.H.H. 1985. Quantitative
and Dynamic Plant Ecology. 282 pags.
Edward Arnold. 3ª ed.
Lewis, J.R. 1964. The ecology of rocky shores. 323
pags. London. English Univ.Press.Ltd.
Littler, M.M. and Littler, D.S. 1980. The
evolution of thallus form and survival strategies
in benthic marine macroalgae: field and laboratory tests of a functional form model. Am.Nat.
116:25-44.
Littler, M.M. et all. 1983. Evolutionary
strategies in a tropical barrier reef system: functional
form groups of marine macroalgae. J.Phycol. 19:229-237.
Muniz, J. A. 1989. Ordenação e distribuição de algas
bentônicas em comunidades intermareais
da Baia de Guanabara. (neste blog).
Oliveira Filho, E.C. 1977.
Algas marinhas bentônicas do Brasil. Tese de livre- docência. Universidade de São Paulo, Instituto de Biociencias. 407p.
Oliveira Filho, E.C. e
Berchez, F.A.S. 1978.
Algas marinhas bentônicas da Baia de Santos
– alterações da flora no
período 1957-1978. Bol. Bot. Univ. S. Paulo. 6:49-59.
Pereira, S.M.B. 1974. Clorofíceas marinhas da Ilha de
Itamaracá e arredores (Pernambuco-Brasil).
Inst. Biociências. USP. Tese de Mestrado.
Pereira, S.M.B. 1977. Rodofíceas marinhas da Ilha de
Itamaracá e arredores (PE – Brasil).
275 pags.Inst.de Biociências USP. Tese de Doutoramento.
Pickett, S.T.A. 1980. Non-equilibrium
coexistence of plants. Bull.
Torrey Bot. Club. 107:238-248.
Santelices, B. 1977. Ecologia de algas marinas bentônicas
– efecto de factores ambientales. 487
pags. Doc. Direccion General de Investigacciones.
Smith, R.L. 1980. Ecology and Field Biology. 835 pags.
Harper & Row Publ. 3ª ed.
Stephenson, T.A. 1943. The causes of vertical and
horizontal distribution of organisms between
tidemarks in South Africa. Proc. Linn. Soc. Lond. 154:219-234.
Whittaker, R.H. 1975. Communities and Ecosystems.
MacMillan Publishing Company, New
York.
OBSERVAÇÕES:
- · A nomenclatura da época foi preservada.
- · Vários outros trabalhos foram realizados na área principalmente com preocupações conservacionistas, de sucessão, recrutamento e metodologias para o local, que listamos abaixo:
Caracterização
quali-quantitativa das comunidades de macroalgas nas formações recifais da
praia do Cupe-PE.
Trab.Oceanogr.
Univ.Fed.PE. 25:93-109.
Florística
e distribuição espaço-temporal das clorofíceas bentônicas em trechos recifais
do litoral norte do estado de Pernambuco.
Hoehnea
30:201-212.
Análise
quali-quantitativa das populações algáceas de um trecho recifal na Praia de Boa
Viagem.
Oecol. Bras.12:222-228.
Avaliação
florística e sucessão ecológica das macroalgas em recifes na praia de Piedade.
Neotr.
Biol. Converv. 4:49-56.
Variação
temporal do recrutamento e sucessão ecológica de macroalgas em recifes areníticos
da Praia de Piedade.
Neotr.
Biol. Converv. 6:170-177.
Métodos
de amostragem para comunidades de macroalgas marinhas em recifes de arenito.
Rev.
Bras.Eng. Pesca. 6:17-29.
7. Mansilla, A. & Pereira, S.B.
2001. [Não disponível na Web]
Comunidades
y diversidad de macroalgas em pozas intermareales de arrecifes. In Alveal &
Antezana. Sustentabilidad de La Biodiversidad. P. 315-330.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe sua contribuição aqui